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Comportamento de Risco e a Organização: uma transferência de valores e atitudes

3 de agosto de 2021
Bravo Research e Desenvolvimento Humano

Não usar máscara ou se aglomerar em uma pandemia. Brincar na chuva. Dirigir em alta velocidade. Saltar de paraquedas. Ter relações sexuais sem métodos preservativos. Andar de montanha-russa. O que essas atitudes têm em comum? É o que chamamos de comportamento de risco: tomar uma decisão de forma impulsiva para conquistar um benefício de curtíssimo prazo, sem pensar nas consequências. Estímulo e resposta imediata.

Obviamente, cada uma dessas ações tem uma consequência diferente. Tomar chuva pode ser uma delícia num dia quente de verão, mas pode ocasionar um resfriado. Dirigir em alta velocidade, além de ser uma infração de trânsito, pode acarretar um acidente que impacte a vida de uma ou muitas pessoas. Andar de montanha-russa é emocionante, mas há o risco, mesmo que baixo, do brinquedo ter alguma falha mecânica e ocasionar um acidente. Saltar de paraquedas, caso não seja feito de forma extremamente prudente, com checagem de equipamentos, condições climáticas, dentre outros pontos, pode levar à morte. Não usar métodos preservativos pode culminar tanto em uma gravidez indesejada quanto em uma infecção sexualmente transmissível. Já a recusa em usar máscara, somada à aglomeração nesse momento de pandemia, pode levar, em um curto prazo, a doenças que impactam não só quem tomou essa decisão, mas também em pessoas ao seu redor e, no coletivo, a uma sobrecarga no sistema de saúde.

Esse tipo de comportamento é muito comum na adolescência, quando temos mais medo de deixar de viver do que da própria morte. É como se ela fosse algo tão distante que pareça ser inatingível.

Encontrar uma turma de amigos no meio de uma pandemia é desfrutar do prazer e das risadas sem levar em conta o risco não apenas de um adoecimento próprio, mas também das pessoas ao redor. O ser humano ainda exerce muitos comportamentos primitivos, movido constantemente por sentimentos que “cegam” e o fazem tomar decisões sem pensar nos possíveis resultados. Isso ocorre porque os humanos são seres sociais, movidos pela influência que pode tanto acentuar o comportamento de risco, quanto mitigá-lo.

A influência pode ser exercida por alguma autoridade, alguém que tem poder. Um exemplo disso é a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, tida como a governante mais eficiente no combate à Covid-19: o comportamento exemplar dela durante o enfrentamento à doença influenciou toda a população do país, sendo hoje um dos primeiros lugares do mundo a sair do quadro da pandemia e retomar com força total a sua economia. Por outro lado, pesquisas comprovam a ligação entre o comportamento de risco de governantes com aumento de casos de contaminação por Covid-19.

Além de governantes, especialistas também são muito importantes ao influenciar pessoas a terem determinados comportamentos. Ainda usando o contexto da pandemia, vemos órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou mesmo personalidades ganharem ainda mais atenção em cada pronunciamento, movimentando massas. Eles são fundamentais para combater outra pandemia: a da desinformação, trazendo dados confiáveis e orientações.

Experts nos assuntos e a liderança são, portanto, fundamentais para influenciar positivamente o comportamento humano, a fim de evitar riscos. E, para isso, é necessário ter consciência de cada ação.

E como isso se relaciona com as organizações?

As organizações são feitas de pessoas. Tratam-se de espaços sociais. É neste contexto que as pessoas se expõem e mostram muitos dos seus comportamentos mais comuns e corriqueiros. Por estarem imersas no ambiente corporativo atuando em nome da empresa, as pessoas tomam decisões, prometem, resolvem problemas, geram lucros e impactos que podem ser positivos ou negativos. Em outras palavras, elas agem em nome da empresa, como uma extensão da organização.

Nas últimas duas décadas, vimos no mundo alguns casos marcantes de escândalos que arrastaram consigo a reputação, a saúde da organização e a vida das pessoas que trabalhavam nelas.  Muitos desses escândalos foram resultado de poucos indivíduos com comportamentos de ganância e de tomadores de riscos excessivos, cujas ações levaram a consequências desastrosas. Casos de destaque como Toshiba, Enron, Tyco, WorldCom, Health South, Sadia (hedge), AIG, que sofreram com as sistemáticas manipulações contábeis e ações arriscadas no mercado realizadas pelos seus líderes e gestores.  Podemos acrescentar a este grupo de empresas, o histórico de tantas outras que sofreram perdas e danos devido a atos de corrupção e fraudes.

Um estudo publicado pela Davison, Day & Smith em 2015, analisou algumas ações de executivos fora do local de trabalho, tais como infrações e aquisições de propriedades de luxo, as quais estão altamente relacionadas à probabilidade de futuras demonstrações financeiras distorcidas, incluindo fraudes e erros de relatório de material, bem como a transferência desse tipo de atitudes para a cultura organizacional. Em um outro documento, a carta do grupo do G20 do Financial Stability Board (2015), destaca que “a escalada da falta de conduta por parte de profissionais de instituições financeiras é capaz de elevar o risco sistêmico financeiro no mundo”.

Já no artigo “Behavioral consistency in corporate finance: CEO personal and corporate leverage”, publicado pelos autores Cronqvist, Makhija & Yonker, em 2012, cujo estudo realizado teve como foco o comportamento de CEOS e a relação com a governança corporativa, os resultados apontaram que aqueles executivos que atuam em empresas com fracos mecanismos de governança conseguiram imprimir seu estilo pessoal por toda a gestão da organização, inclusive os aspectos financeiros.

Isso significa que em partes, a atitude do CEO e sua forma de lidar com as questões fora da empresa reflete também no desempenho da organização e na cultura organizacional.  Podemos então ressaltar que organizações que não valorizam a governança podem comprometer o seu estilo de gestão a cada mudança de executivo onde o comportamento corporativo pode ser muito influenciado pelo comportamento do líder, deixando de lado que a cultura corporativa e seus legados deixem de perpetuar dando lugar a preferências e atitudes pessoais do CEO.

Diante de uma fraca governança, a organização pode não conseguir imprimir sua cultura e suas boas práticas de gestão por estes fatores estarem altamente voláteis de acordo com a entrada de novos líderes.  Conseguimos então perceber o quanto as atitudes das pessoas interferem nas organizações, na sociedade e em seus colaboradores e como isso pode estimular ou frear um comportamento de risco.

Mas como contornar situações nas quais as ações individuais podem expor toda a corporação?

Endereçando uma possível solução.

Todas as organizações estão inerentes a isso e a questão é como lidar com pessoas que possuem certa conduta de risco dentro do ambiente corporativo. Eliminá-la é muito difícil, mas podemos ter mecanismos para geri-la da forma mais eficiente possível.

Uma governança rica é a resposta. Como gerir atitudes descoordenadas do ideal cultural da empresa em um ambiente de governança pobre? Não dá nem para começar a conversa. Mas com muito trabalho focado em pessoas, processos e tecnologias, é possível construir um ambiente colaborativo em que se possa ver o que se espera dessas pessoas e incentivá-las a agir dentro do esperado.

Assim, cada risco se torna uma oportunidade de endereçar melhorias, novas estratégias e um processo atento às partes envolvidas nos processos de negócios e de decisões.

Uma Cultura e Governança forte como um legado para as organizações e pessoas

Ao gerenciar uma conduta de risco, a empresa está exercendo o seu papel em busca de uma adequação de atitudes do indivíduo que podem ser transferidas para a vida pessoal, trazendo uma visão mais razoável em termos de riscos para si e para os outros. Neste momento, os aprendizados da vida organizacional transpassam a barreira para a vida pessoal, nos levando a reflexões e exemplos.

Sendo as organizações compostas de pessoas, as decisões, ainda que auxiliadas pela tecnologia, são tomadas por pessoas. Optar por um caminho com riscos calculados se dá no nível de consciência daquele determinado indivíduo e de tudo aquilo que impacta no seu ecossistema de atuação. Ter uma visão sobre quanto a sua atitude transforma para o bem ou para o mal os que estão à sua volta, deve fazer parte da composição da essência e da presença principalmente do líder. O líder e a empresa como um todo terão a chance não apenas de impactar o comportamento corporativo, mas também de influenciar as atitudes dos indivíduos fora da jornada de trabalho, prezando por mais equilíbrio e responsabilidades na sociedade.

*Natasha Bontempi é líder da área de Desenvolvimento Humano na Bravo GRC. Relações públicas, pós-graduada em Psicologia Transpessoal e instrutora sênior de Mindfulness pelo MTi.

* Suelen Silva é coordenadora da Bravo Research e mestre em Estratégia Empresarial pela FGV EAESP.

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