A ideia de que uma empresa tem como função principal gerar lucro aos seus fundadores e acionistas é, em pleno século 21, “coisa do passado”. Nos últimos anos, as organizações têm aprendido, embora seja um caminho árduo e dolorido, que focar somente nesse objetivo a qualquer custo pode até trazer um resultado, mas está longe de ser uma performance com princípios. Seguindo a proposta do Capitalismo de Stakeholders, o trabalho de uma companhia não se limita apenas à geração de lucro pura e simplesmente, mas sim a direcionar o olhar para todos os stakeholders e pensar na cadeia de valor — desde os donos aos fornecedores, passando pelos colaboradores, acionistas, ONGs, sindicatos e seu entorno.
Algumas pessoas e empreendedores ainda possuem uma ideia errônea de que este discurso está conectado à filantropia ou a deixar de focar no lucro. Para estes casos, tenho um exemplo recente, do ano passado, que foi o escândalo das vinícolas. Três grandes empresas contrataram uma terceirizada que utilizava trabalho análogo à escravidão e, com isso, a imagem das contratantes foi seriamente abalada perante os consumidores, além de terem de pagar uma indenização considerável. Tudo devido ao fato dessas marcas não terem realmente olhado para o fornecedor que estavam contratando.
Vale ressaltar que a questão dessa “superação do capitalismo” é uma ideia mais velha do que o surgimento do próprio sistema como ele existe hoje. Olhando para trás, esse assunto se faz presente no mundo corporativo há muito tempo, mesmo que não com esse nome. Por exemplo, Adam Smith já falava, em 1776, no seu livro “A Riqueza das Nações”, que a maximização do lucro às custas da sociedade não é capaz de fomentar a tão sonhada “riqueza das nações”.
O fato é que, com o avanço dos riscos tecnológicos, da desigualdade, das mudanças climáticas e de vários outros pontos, a adesão desse modelo se faz cada vez mais necessária, se não pela consciência dos gestores, pela exigência do próprio mercado com as práticas ESG e com as questões regulatórias. Hoje em dia, olhar para todos os stakeholders é também se preocupar com o bom desempenho da empresa.
A proposta da Governança Multistakeholder é compartilhar o poder e o processo de decisão entre as diferentes partes interessadas, fazendo com que esse tipo de Capitalismo seja possível. Ela é feita por meio de um ecossistema interdependente entre todos os stakeholders, no qual mecanismos são desenvolvidos para implementar ações ambientais, sociais, de governança e para o business, utilizando práticas de gerenciamento sustentáveis.
Esse formato tem como princípios a prestação de contas, efetividade, comunicação, coerência e participação, além de possuir objetivos em relação a ética, estratégia e organização. Em ética, a ideia é incorporar os interesses e a visão de todos os stakeholders, criando uma estrutura de governança democrática, inclusiva, integral e transparente.
Na questão estratégica, precisamos pensar que as corporações também dependem das relações e conexões com todos os stakeholders, não abdicando ao lucro, mas entendendo que este é o bem mais atingido no longo prazo pela visão multistakeholder. Já com relação à organização, ao incorporar todos os envolvidos no processo de tomada de decisão, as empresas tomam decisões mais equânimes, promovendo maior estabilidade na reprodução da vida social, além de potencialmente evitarem ou gerenciarem crises que, se ocorrerem, podem ser administradas de forma mais rápida e adequada, melhorando consideravelmente a resiliência do negócio.
Sim, exatamente isso: evitarem crises! No atual mundo em que vivemos, olhar para todos os stakeholders não é fazer caridade, ainda que a caridade e filantropia sejam questões de extrema importância para o desenvolvimento da nossa sociedade, desde que realizadas de forma estruturada. Não podemos ficar apenas no discurso bonito… A Governança vai auxiliar e muito as organizações a evitar e gerenciar crises como a das vinícolas (e tantas outras), sempre com a preocupação de garantir um crescimento sustentável e que, sim, dê lucro aos acionistas.