Concluindo o primeiro Balanço Global do Acordo de Paris, os países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e Acordo de Paris chegaram a um consenso inédito ao mencionar diretamente no texto do acordo os combustíveis fósseis e a necessidade de seu afastamento como fonte energética, o que seria um marco para o “começo do fim da era dos combustíveis fósseis”.
Mitigação
O “começo do fim” deverá ser “justo, ordenado e equitativo”, bem como associado à meta de triplicar a capacidade global em energia renovável, prevendo ainda duplicar a eficiência energética global. Fica claro que estas ações devem ser concretizadas concomitantemente, isto é, para diminuir a emissão de combustíveis fósseis é imprescindível que a capacidade de geração de energia a partir de fontes renováveis aumente inversamente e em escala igual ou superior. A preocupação quanto ao caráter “justo, ordenado e equitativo” justifica-se pelo fato de que a economia e sociedade global são altamente vulneráveis às oscilações dos preços de petróleo e gás, afetando os processos inflacionários e poder aquisitivo das populações, a logística e geopolítica mundial. Em última instância, a preocupação coloca em jogo o cuidado para não ser gerado um “choque dos combustíveis fósseis”, que poderia abalar ainda mais a economia e geopolítica mundial.
A preocupação quanto às especificidades e capacidades nacionais também foi incorporada no acordo. No pilar da mitigação, o acordo ainda menciona que, para atingir o Acordo de Paris, é necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 43% até 2030 e em 60% até 2035 em relação ao ano de 2019, e atingir emissões líquidas zero em 2050. Quanto à redução das emissões de outros gases que não o gás carbônico (CO2), o acordo convoca os países a acelerar a redução dessas emissões, enfatizando, em especial, as emissões de metano até 2030. O “chamado” à comunidade internacional compreende ações para:
- Triplicar a capacidade global de energia renovável;
- Dobrar a eficiência energética;
- “Acelerar” a “redução gradual” de fontes energéticas provenientes de carvão que não possuem mecanismo de sequestro ou captura de carbono;
- Acelerar as ações rumo a “sistemas energéticos de emissões net zero”;
- Acelerar as tecnologias de zero ou baixas emissões (renováveis, nuclear, de abatimento e de remoção);
- Acelerar, especialmente, entre as emissões de gases que não o CO2, a redução das emissões de metano até 2030;
- Acelerar a redução das emissões provenientes de transporte rodoviário, com ênfase para o desenvolvimento de infraestrutura e veículos de baixa emissão;
- Eliminar gradualmente subsídios para combustíveis fósseis não endereçados para sanar “pobreza energética” (falta de acesso da população aos serviços modernos de energia) ou “transição justa”.
Adaptação
O texto do acordo trouxe:
- Menção à importância de se chegar a uma meta global de adaptação;
- Atualização quanto a que 51 países apresentaram planos nacionais de adaptação;
- Noção de que os impactos são “transfronteiriços”;
- Noção de que a adaptação vem em ciclos, os quais são iterativos, englobando avaliações constantes de riscos e impactos.
Além disso, o acordo insta os países a:
- Reduzir a escassez de água proveniente de causas climáticas;
- Alcançar sistemas agrícolas e alimentares resilientes às mudanças climáticas;
- Alcançar resiliência quanto aos impactos das mudanças climáticas sobre a saúde;
- Reduzir os impactos sobre ecossistemas e biodiversidade;
- Aumentar a resiliência das infraestruturas e “assentamentos humanos”;
- Reduzir os efeitos adversos das mudanças climáticas quanto ao objetivo de erradicação da pobreza e de subsistência;
- Preservar as heranças culturais face aos impactos provenientes dos riscos relacionados às mudanças climáticas.
Meios de implementação
Quanto ao pilar dos meios de implementação, a ótica financeira deixou, mais uma vez, a desejar. Apesar da aprovação do texto de implementação do Fundo de Perdas e Danos, o valor anunciado em contribuições para o fundo, de U$792 milhões, é muito aquém do necessário. Além disso, a ausência de metas e obrigatoriedade de contribuições financeiras por parte dos países desenvolvidos é um obstáculo importante quando se trata de analisar se o fundo atingirá seu propósito de direcionar recursos financeiros para países vulneráveis como contrapartida dos impactos que suas populações e infraestrutura sofrem em decorrência dos eventos climáticos provocados pelo aquecimento global.
De maneira geral, contemplando diversas pautas, os recursos financeiros mobilizados não chegaram nem a 1% do PIB dos países desenvolvidos para 2023. Por exemplo, nos quatro primeiros dias da COP28, apenas U$ 57 bilhões haviam sido anunciados, enquanto o texto do Balanço Global aponta a necessidade de mobilização de volumes muito mais expressivos, que chegam à casa dos trilhões de dólares.
- Green Climate Fund = U$ 12,833 bilhões
- Fundo de Perdas e Danos = U$ 792 milhões
- Fundo de Adaptação = U$ 187,74 milhões
- Fundo para os países menos desenvolvidos e Fundo Especial para Mudanças Climáticas = U$ 179,06 milhões
Novamente, a promessa dos países desenvolvidos de destinar U$ 100 bilhões de dólares anualmente até 2020 não foi concretizada em 2021, sendo posto como urgente no acordo a destinação deste montante até 2025. Para o futuro próximo, propõe o desenvolvimento de um texto rascunho de negociação para o estabelecimento de novas metas globais e coletivas no âmbito do financiamento climático. Em linha com outros fóruns de governança global, o acordo salienta a necessidade de reformar a “arquitetura financeira multilateral” como meio de combate à pobreza e de tornar a sustentabilidade dos modos de produção e consumo, em relação ao planeta, real. Além disso, a necessidade de transferência de tecnologia e criação de capacidade são mencionadas.