Adotada em Nairobi em 1992, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Biodiversidade é o documento base da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que ocorre a cada dois anos. Estamos agora em seu 16º encontro. A convenção entrou em vigor em 1993, e o Brasil a ratificou em 1998.
As discussões sobre o conteúdo da convenção foram lideradas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) a partir de 1988, quando todos os grupos de trabalho foram unificados no Comitê Intergovernamental de Negociação (CIN) para a redação do texto final a ser apresentado na ECO-92 (LE PRESTE, 2005). O foco geral da convenção é a conservação e o uso sustentável e equitativo da riqueza biológica e de seu conteúdo genético, sendo esses os três objetivos-chave (LE PRESTE, 2005). Como é habitual em discussões sobre mudanças climáticas, as diferenças entre os países do Norte e do Sul, assim como a pauta de financiamento, estão sempre presentes.
Por ser uma “Convenção-Quadro”, suas disposições são gerais e a implementação ocorre ao longo dos anos, por meio de protocolos, acordos ou atividades previstas por órgãos criados a partir da convenção. Certamente, os temas mais disputados são biotecnologia, mapeamento genético e transferência de tecnologia associada. Acerca disso, a Convenção estabelece o princípio da soberania como pressuposto para alcançar seus objetivos, porém prevê exceção caso o uso almejado seja para fins “ambientalmente saudáveis” (Accioly, 2017, p. 784).
No último encontro da Conferência das Partes sobre Biodiversidade (COP15), foi adotado o Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. Este marco estabelece dois conjuntos de metas: 23 a serem alcançadas até 2030 e outras 4 metas holísticas até 2050. Uma dessas metas prevê a criação de uma arquitetura que garanta meios de implementação, financiamento, construção de capacidades, cooperação técnica e científica, além de acesso e transferência de tecnologias para os países em desenvolvimento, pequenas ilhas e economias em transição.
Nesse contexto, foi identificado um déficit de 700 bilhões de dólares por ano para alcançar os principais objetivos da convenção. Em comparação, no caso das mudanças climáticas, esse déficit é ainda mais significativo. Os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos de fornecer 100 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento ainda não foram concretizados, e o valor é substancialmente menor do que o necessário para a biodiversidade.
Especificamente no que diz respeito à pauta de energias renováveis, o déficit é estimado em 4 trilhões de dólares anuais até 2030, a fim de atingir a meta de neutralidade de carbono até 2050. Para a descarbonização, seriam necessários entre 4 e 6 trilhões de dólares anualmente.
As 23 metas do Marco Global de Biodiversidade foram divididas em três dimensões: a primeira relacionada à redução das ameaças à biodiversidade, a segunda focada em garantir as necessidades das pessoas e a terceira voltada para as ferramentas e soluções necessárias à implementação e à integração das ações. Além disso, o Marco prevê um financiamento de 200 bilhões de dólares, um valor que é inferior ao déficit identificado. Entre as metas estabelecidas, destaca-se a proteção de 30% dos ecossistemas e áreas degradadas do planeta, abrangendo áreas terrestres, marinhas e de água doce.
Assim como no caso das COPs sobre mudanças climáticas, os Estados-Parte assumem compromissos com base em suas características particulares, nível de desenvolvimento, estratégia e disposição diplomática. Publicada em 2017, a Estratégia e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) contempla o período entre 2010 e 2020, e sua revisão foi aberta à consulta pública em 2023, permitindo que o Brasil contribuísse com novos compromissos na COP16. O foco da delegação brasileira está no financiamento e no sequenciamento digital de recursos genéticos.
Pautas estratégicas da COP16
Na COP16 da Biodiversidade, os principais pontos discutidos incluíram a revisão das metas, planos e estratégias dos países, além da verificação da adequação ao marco global. Até o momento, 35 países apresentaram seus planos, o que representa apenas 18% dos 191 Estados-Partes que aderiram à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A clássica e necessária pauta sobre financiamento foi abordada, buscando estruturar fontes, orçamentos e gestão. Estima-se que parte desse volume financeiro possa vir de subsídios direcionados a setores que impactam negativamente a biodiversidade, como os setores alimentar e energético.
Houve também um foco na definição de metodologias e indicadores para acompanhar o cumprimento das metas. A base de dados de sequenciamento genético dos seres vivos, conhecida como Informações de Sequência Genética Digital, será objeto de intensas negociações. Setores como o farmacêutico e cosmético, que dependem dessas informações, poderão ser obrigados a pagar pelo acesso a essa base, que será gerida em âmbito público e privado, beneficiando países e comunidades locais ricas em biodiversidade, além de servir como um componente de exportação e agregação de valor.
Quanto às informações genéticas, é fundamental garantir um compartilhamento justo e equitativo, respeitando o princípio da soberania. Outro foco crucial é a possibilidade de um acordo que estabeleça um plano de trabalho e implementação, reconhecendo o papel fundamental dos povos indígenas na preservação da biodiversidade e legitimando-os como stakeholders capazes de contribuir para o alcance das metas do marco global.
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2017.
LE PRESTE, Philippe. Ecopolítica Internacional. 2 ed. São Paulo, 2005.